Olhai os lírios do campo
Érico Veríssimo
(...) "Quanto a Eugênio,o que ele antes desejava apenas com a curiosidade e com pruridos precoces, passara a desejar agora ardentemente, com todo o corpo. Era uma tortura, pois a idéia do pecado se misturava com o desejo, tornando-o ainda mais intenso e doloroso. Entre o seu corpo e o objeto dos seus sonhos fogosos erguia-se o castigo dos seus professores e, ainda mais assustador, o castigo de Deus. A verdade, porém, era que nada disto conseguia apaziguar-lhe os apetites, que ele saciava solitariamente, no silêncio do quarto, cheio de medo, de vergonha e dum trêmulo e ansiado prazer. Vinham-lhe depois tremendas lutas de consciência. Os professores faziam circular entre os alunos livros de educação sexual e que havia pavorosas ameaças para os que se entregavam àquelas satisfações solitárias e pecaminosas. A natureza castigava aos que transgrediam suas sábias leis. Eugênio lia e relia as torvas amaças e já se considerava perdido, a caminho da imbecilidade, incapaz para o estudo e para a vida. Consultava o espelho, via as manchas arroxeadas ao redor dos olhos, sentia a cabeça umas vezes oca e outras, pesadas como um chumbo. Doíam-lhe as costas, a memória era graca. Não havia dúvida, eram os sintomas que o livro dava...Era preciso emendar-se antes que ficasse irremediavelmente perdido. Atufava-se no estudo, fugia das revistas em que houvesse gravuras eróticas, procurava espantar os pensamentos maus, evitava colegas que gostavam de conversar obscenidades. Só não conseguia era fugir de seus desejos, de seu corpo.
E naquela manhã, Eugênio sentia como nunca esse corpo.
Ele pulsava porbaixo das roupas leves e ásperas, estava vivo e aos poucos ia enchendo uma força tão grande quente e estranha, que Genoca tornava a achar possível que estivesse mesmo doente.(...)"
- VERÍSSIMO,Érico."Literatura Brasileira Contemporânea. Olhai os lírios do campo. Três Ed. Rio de Janeiro, 1973. p. 38.